Ontem, picadas de agulha. Hoje, gotinhas debaixo da língua. O tratamento com vacinas evoluiu e pode ser o alívio para boa parte dos 60 milhões de alérgicos no Brasil
Tão comum quanto ter um amigo alérgico é esse amigo torcer o nariz quando alguém fala de vacina contra alergia. Muitos, provavelmente, sabem pouco sobre o assunto mas ainda assim duvidam do sucesso. Resultado: estimase que cerca de 60 milhões de brasileiros sofram com algum tipo de alergia. Mas só 300 mil, ou seja 0,5% dos alérgicos realizam o tratamento com vacinas.
Esse descrédito não ocorre à toa. Quem convive com espirros, coriza, coceira na garganta, irritação nos olhos, falta de ar, vermelhidão na pele, vômitos, desmaio e até convulsões dependendo da intensidade e do tipo de crise alérgica aprende que os sintomas podem ser aliviados com algumas medidas, mas raramente curados. Além disso, a imunoterapia, como é chamado esse tratamento, até há pouco tempo era feita somente por meio da aplicação de injeção subcutânea, em doses crescentes. No início, semanalmente, em seguida, mensalmente, por longos cinco anos. A boa notícia é que esse tratamento evoluiu e pode ser mais curto e menos indolor.
O uso de vacinas para amenizar os sintomas provocados pelas alergias vem sendo adotado desde o início do lséculo passado.
OS PRÓS E OS CONTRAS DA IMUNOTERAPIA
● Só um especialista para recomendar a melhor vacina a um paciente. Algumas, dependendo de como são fabricadas, são contra-indicadas para alérgicos a ovos e crianças com asma.
● Modernas técnicas de fabricação de vacinas diminuíram muito o risco de reação alérgica à própria vacinação.
● Elas estão cada vez mais específicas. Mas ainda não existe uma imunização milagrosa, devido à complexidade dos mecanismos envolvidos numa reação alérgica e à quantidade de alérgenos (os causadores das alergias) que nos rodeiam.
AS VACINAS SÃO INDICADAS, EM GERAL, QUANDO NÃO É POSSÍVEL EVITAR OS ALÉRGENOS OU QUANDO OS REMÉDIOS NÃO RESPONDEM DE FORMA EFICAZ
Nessa época, eram criadas empiricamente e estavam longe de ser 100% eficazes, conta o farmacêutico Ruppert Ludwig Hahnstadt, diretor do FDA Allergenic, um dos laboratórios brasileiros, com sede no Rio de Janeiro, que fabrica vacinas e testes diagnósticos. Nos anos de 1980, as vacinas ganharam novas técnicas de purificação e maior controle de qualidade na fabricação. Em 1997, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a eficácia dos produtos e passou a recomendá-los oficialmente como tratamento para as doenças de fundo alérgico, lembra.
Alívio em gotas
Um dos avanços na área são as vacinas personalizadas e em gotas: três debaixo da língua e a própria pessoa, após orientação médica, pode aplicar. As doses variam de acordo com o caso e são altamente diluídas, por isso não costumam causar reações alérgicas. O tratamento é mais curto, dura de dois a três anos. De acordo com o alergologista francês Jean- Louis Brunet, do Hospital da Cruz-Vermelha, em Lyon, a imunoterapia via oral tem duas vantagens. É bem tolerada e pode ser administrada em casa, escreve em seu livro Alergias (Ed. Larousse). Já para Evandro Prado, presidente da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunoterapia (SBAI), outra vantagem da imunoterapia oral é garantir maior adesão ao tratamento. A praticidade do método leva o paciente a seguir os cuidados até o fim, explica o médico.
Um obstáculo que ainda impede o acesso às vacinas, sejam elas por injeção ou gotas, são os custos. O tratamento pode custar entre mil e três mil reais por ano. Apenas poucos hospitais no Brasil, como o Hospital do Servidor Público do Rio de Janeiro e de São Paulo, o Hospital Infantil de Brasília e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, oferecem as doses gratuitamente.
É preciso paciência
Antes de recorrer à imunoterapia, o paciente deve saber a qual substância (alérgeno) é alérgico. Para isso, são feitos testes cutâneo e sorológico. No método cutâneo, os alérgenos são introduzidos em regiões do antebraço ou das costas. A pessoa será considerada alérgica, caso ocorra uma reação local após 15 a 20 minutos. No teste sorológico, após exposição ao alérgeno, a quantidade de anticorpos é medida pelo laboratório. São detectados os anticorpos IgE específicos, produzidos em grande quantidade por pessoas alérgicas e responsáveis pela liberação de histamina (substância causadora dos sintomas da alergia).
Não vacinar quando...
... o candidato é uma criança menor de cinco anos. ... o paciente tiver asma não controlada. ... houver a presença de tumores malignos e doenças imunológicas (por conta da interferência no sistema imunológico). E na gestação?
Se a imunoterapia já foi iniciada, é aceitável mantê-la. Mas recomenda-se diminuir a dose.
O alérgeno é que irá ditar a composição da vacina. Elas são produzidas uma a uma, próprias para cada indivíduo, contendo os extratos que lhe provocam a alergia. A introdução desses extratos induz o corpo a produzir anticorpos que combatem o alérgeno. No início, em pequena quantidade, para não haver reação muito forte de defesa do organismo. Conforme o paciente se torna mais resistente, a quantidade de alérgenos é aumentada, até a pessoa ficar quase imune à quantidade de alérgenos similar ao do meio ambiente, explica Ruppert, do FDA Allergenic.
O tratamento não é definitivo, embora seja difícil os sintomas voltarem. Se isso ocorrer, a imunoterapia pode ser reiniciada, avisa Evandro Prado, da SBAI. Mas há contra-indicações (veja ao lado) e a aplicação é limitada. As vacinas são indicadas para pessoas sensíveis aos ácaros, pólens, pêlos de animais, fungos e venenos de insetos. Ainda não há efeitos satisfatórios em alergias a alimentos e substâncias químicas (perfumes, conservantes...).
A VACINAÇÃO EM CADA CASO
ASMA: atinge de 10% a 15% da população brasileira. E cerca de 70% das vítimas têm histórico familiar da doença. Sibilância (assovio) e tosse são seus principais sintomas. O tratamento inclui basicamente reduzir a exposição a alérgenos. Pacientes que não podem controlar a limpeza do ambiente onde vivem podem se beneficiar com a imunoterapia, mas, segundo especialistas, ela não deve ser recomendada rotineiramente.
RINITE ALÉRGICA: a instalação dessa inflamação na mucosa nasal ocorre, em média, aos 10 anos e atinge 30% dos brasileiros. Uma vez estabelecida, persiste por anos. Entre os fatores de risco para o seu desenvolvimento estão a história familiar de alergia e a exposição a alérgenos de ambientes internos como pêlos de animais, pólen e poeira doméstica, além de odores, fumaça e fumo. Assim, medidas ambientais, como evitar a exposição aos alérgenos, devem ser combinadas com tratamento farmacológico. Os anti-histamínicos diminuem os espirros e o corrimento nasal. A imunoterapia é ótima opção contra a rinite persistente.
ALERGIA A INSETOS: chamada de estrófulo, afeta 4% da população mundial. A freqüência dessa alergia varia de acordo com a região, sendo mais comum em locais com mais insetos, explica Mario Cezar Pires, diretor do Serviço de Dermatologia do Complexo Hospitalar Padre Bento, em Guarulhos, Grande São Paulo. A imunoterapia é feita por via sublingual, por cerca de três meses. A alergia ao veneno de vespas e abelhas também responde bem a esse tratamento. O que é muito bom, considerando a gravidade dos efeitos alérgicos das ferroadas.
Fonte: http://revistavivasaude.uol.com.br/saude-nutricao/54/artigo63120-1.asp